Ontem, domingo, fui obrigado a acordar cedo. Não por vontade própria, mas porque era dia do passeio mensal como guia de caminhadas.
Eram 8:05 quando saí de casa em direcção ao Espichel. O termómetro do carro marcava 17 graus. Infelizmente ainda estava dentro da garagem. Lá fora, passados poucos minutos desceu aos simpáticos 3 graus. Sem dúvida um bom presságio.
Atravessei uma Lisboa, de vias rápidas, despidas de calor mecânico. Atravessando o Tejo foi possivel vislumbrar uma pequena neblina que cobria numa camada suave a crista de cada gota de rio. A temperatura tinha descido para os dois graus. Atravesso o acesso a Sesimbra, onde poucas horas depois, iam desfilar dezenas de escolas de samba em trajes reduzidos a pedir um pouco do calor carioca. Mais uns quilómetros e dou por mim, junto a um dos locais de culto dos amantes dos cabos portugueses. Tinha chegado ao Cabo Espichel. Eram aproximadamente 8:40.
Por momentos fico na dúvida, não sei se ei-de ou não abrir a porta do carro. O vento assobia aparentemente fresco e de t.shirt e polar soa-me que fui mal agasalhado. Saio do carro, dou três ou quatro passos e volto a sentar-me. Possas, está um frio do caraças.
São 9:20, decido-me aventurar e vou espreitar o mar. O vento gela os ossos, deixo de sentir o nariz, volto em passo largo para o carro. Mais uns minutos e chega o outro guia, arrancamos em passo acelerado para dentro da igreja ao fundo na foto. É ai que vamos dar inicio à nossa caminhada.
10:00, temos 16 destemidos prontos para avançar. Blusões, gorros, cachecóis e luvas são acessórios em destaque, prontos ou quase para enfrentar as vagas gélidas de vento polar que nos arrastam através dos descampados. Ao fundo o farol, frio mas encantado, orienta embarcações solitários no meio de uma imensa matéria azulada.
E é em busca dessa matéria azulada que nos dirigimos por entre veredas e arbustos agrestes que rasgam a paisagem terrestre. O chão é denominado por uma espécie tipicamente familiar com paisagens morfologicamente similares, ou seja, cascalho puro e duro. Pequenas pedras soltas fogem por baixo de nossos pés, como se sentissem perturbadas ao serem espezinhadas por botas de caminhada.
A paisagem junto ao mar é mais lunar que terrestre. Rochedos densamente cavados e trabalhados pela imensidade das mares, mostram sulcos impossíveis de imitar. Em baixo, as onde contrabalançaram ritmadamente como se chegássemos a um concerto de música clássica.
Sobre lajes de falésia cominhamos, uns com maior outros menor dificuldade, mas todos surpreendidos com a beleza do local. Começamos a subir ou escalar em direcção ao forte da Baralha, anteriormente uma fortaleza defensora da linha costeira, hoje um pedaço de abandonado da riquíssima e esbanjadora histórica de Portugal.
Sempre a subir que a hora de almoço se aproxima e o frio intenso não baixa trégua. Sentimos-nos os nossos antepassados quando a moda do agasalho ainda não estava massificada. Descemos entanto por estradas de terra batida (e solta), até um pinhal com uma vista magistral sobre o oceano imenso, que nos separa dos calores do samba e de parte da área metropolitana de Lisboa, perdida na neblina marítima que se vislumbrava à esquerda no horizonte.
Com a barriga mais acondicionada, começamos a galgar terrenos agrestes junto a falésia de corta a respiração, não muito pela altura mas pelo gélido sentimento que nos invade ao vislumbrarmos alguns metros mais abaixo, dentro de água, três destemidos surfista que desafiam o frio, com os pés e as mãos sem qualquer protecção que absorve o resto de seus corpos num corpo de peixe de água salgada.
Depois de muito palmear pelas terras ontem frias do litoral sadino, eis ao fundo outra paisagem de cortar a respiração já de si muito maltratada pelo cansaço, mas ao mesmo tempo melhorada pela pureza da atmosfera ambiente... O Cabo Espichel e as famosas pegadas de dinossauros.
Mais três quilómetros de caminho e eis-nos chegados de volta sãos e salvos ao ponto de partida, onde uma saborosa e quente fartura nos esperava para que pudessemos repor as calorias dispersas por esse imensidade de natureza que tivemos a oportunidade de partilhar.