terça-feira, 29 de março de 2011

Expedição aos Picos da Europa - Carnaval 2011 (4/4)


Na manhã seguinte, ainda de madrugada, aos poucos, corpos meio enrrugados com malas empanturradas, iam a conta gotas saído do hostal. Cá fora o tempo parecia pouco agradável. A nublina tomara conta da paisagem, a aragem fresca convidava a polar, a tristeza da partida inundava o ar. Felizmente a felidade de ali termos estado e vivido aqueles momento era mais forte que qualquer sentimento de contrariedade.

A viagem foi muito nostágica e fria. Dentro da nossa carrinha, meia humanidade dormia, a outra olhava em frente e deixava-se levar, talvez por pensamentos vazio. A viagem foi fluindo a pouco mais de cento e dez quilómetros por hora. A fome começou a apertar e mais uma vez o Carlos fez questão de colocar os seus conhecimentos à prova. O pessoal, já começava a duvidar, mas dá sempre nova oportunidade. Decidimos então parar numa área de serviço que a placa indicava. Andamos uns três quilómetros para trás e eis que demos com uma povoação, onde a ar de serviço era básica e sem qualquer local para manjar. Fomos então à única tasca aberta nos arredores. Era uma espécie de hamburgueria, mas sem hamburgueres. Apenas havia uns petisco que aparentavam ter tanto bolor como o queijo de Cabrales. E para aí umas trinta vezez mais de gordura. Depois de quase todos pedirem, quando já não havia quase nada para comer, resolvi deixar todos aqueles que já apresentavam cara de enjoados ainda mais salivantes... ao pedir um bocadillo com queijo e presunto. Foi aí que se levantou um surur de surpresa naquelas cabecinhas e alguém pergunta timidamente – “Há sandes?”... LOL

Depois de almoço a viagem ainda foi mais calma, sempre na velocidade certa e sem oscilações. Palavra do condutor de trás. Até à área de serviço de Abrantes, tudo correu a velocidade cruzeiro ou não fosse eu a conduzir. É que por muito maluco que às vezes seja a conduzir, apenas o faço sozinho, por respeito a quem conduzo. Mas em Abrantes, desta vez o clima estava muito mais calmo que na ida. Desta vez não houve confusão com chávenas a partir. Mas desta houve cache. Havia ali um artefactado perdido e com a ajuda do telemóvel e a clareza da posição, o grupo dos vassouras com toda a calma encontrou-o, registou-o e recolocou-o no seu devido lugar.

E mais ou menos assim, horas mais tarde em Lisboa, tinha terminado mais uma fantástica aventura. Agora, aguarda-se ansiosamente pela próxima... lá para os lados de Gredos. Embora, quase todos os fins-de-semana tenham ocorrido outras bem mais próximas dos nossos lares!!!

Expedição aos Picos da Europa - Carnaval 2011 (3/4)


Chegamos assim à segunda-feira de Carnaval, o dia apresentava-se frio e tristonho desde a janela do segundo piso, onde por volta das sete horas locais tentava abrir as pestanas. Lá em baixo, já meio mundo tomava a refeição mais importante do dia para uma caminheiro. Terminada esta e já fora de portas, a ansiedade era grande. Estavamos a pouco mais de cinquenta quilómetros de iniciar a famosa Ruta del Cares. Um trajecto pedestre sinuoso e cheio de precipicios que segue o rio Cares ao longo de um percurso de aproximadamente doze quilómetros. Isto oficialmente, pois os gps presentes marcaram todos aproximadamente dezoito. Pequenos pormenores para quem ama a natureza como se parte dele fizesse.

Chegados ao ponto de partida por uma estrada estreita entre o rio, lá em baixo, e as montanhas, lá em cima, eis que todos sem excepção, saltam, como se de molas se tratassem, das  carrinhas para fora e começam a preparar os provisões de combate. A temperatura não pode ser mais perfeita. Nota-se uma agradável brisa no ar, mas o sol ao longe cujos raios reflectem na neve com esplendor anima todos, mesmo os mais negativos. Embora, claro está... naquele momento não havia uma mente negativa nem ali, nem possivelmente nos arredores.

Ao fundo, junto ao inicio do trilho, uma placa dá-nos a conhecer o que nos espera. Um caminho estreito e por vezes escorregadio. Muitos túneis e locais impróprios para quem possa sofrer de vertigens. Acho que mesmo aqueles que não sofrem, iriam passar a sofrer. E para animar a malta, o gráfico não enganava, os primeiros três mil e quinhentos metros seriam sempre a subir. Antes de iniciar, ainda um outro aviso – o trilho teve um percalço a uns oito quilómetros dali – uma descida precipitada até ao fundo da ravina. Mas os alertas são claros, continua transitável. A protecção civil espanhola está lá a remendar o local.

Assim, conforme anunciado, os primeiros três mil e quinhentos metros são passados sempre a subir. Logo após o pequeno-almoço, não era o que mais queria, mas a sensação transmitida pelo silêncio daquela imensidão de rocha era mais forte que qualquer outra naquele momento. E assim, fomos subindo por um trilho sinuoso de pouca terra e muita pedra solta. Atrás tinhamos cada vez mais um fosso, um fosso fundo e a cada metro mais distante. Ao nosso lado, bem lá no fundo, tinhamos um rio de águas azuís quase transparentes, com uma água tipicamente caraibenha, mas exponencialmente  mas fresca que a de qualquer praia portuguesa. Estas deslizavam suavemente por entre rochas e rochedos, dando uma vitalidade incrivel ao momento. Do outro lado tinhamos montanhas, altas cheias de dureza, desde o verde verdejante junto das nossas sobrancelhas até ao puro rochedo que as acompanhava até ao topo branco extremanente brilhante. Um tom que apenas neve pura e impenetrável nos pode dar. O céu esse era de uma azul normal, mas tão normal que nem parecia normal, onde o sol expreitava e fazia as delicias de pequenos e graudos sempre que uma nuvem se desviava um pouco.

Ali só haviam fatos pintados de cores que caminhavam em fila quase indiana, bem junto das paredes, pois do outro lado a altitude era demasiado arrebatadora para ser ignorada. Junto a mim, cá mais atrás, apenas dois sons se distinguiam. Um clap, clap das imensas fotos que o grupo dos vassouras aproveitou para brindar a paisagem e um meu zumbido de estimação que não me dá treguas o tempo todo. É tão mau nunca conseguir estar em silêncio absoluto que às vezes apetece-me...

O percurso foi deslizando por baixo dos nossos pés como se uma coisa banal se trata-se. Naqueles quilómetros apenas os nossos olhos e sentimentos terão trabalhado de forma fugaz, como que se quizessemos mas não conseguissemos lugar para guardar e registar toda aquela paisagem diabólica.
Quase uma hora depois do restante grupo, nós os vassouras chegamos ao ponto de encontro do meio do trilho. Foi na povoação montanhosa de Caín que nos voltamos a encontrar. Os seis guerreiros lá de trás, tinham finalmente chegado. Os restantes companheiros de aventuras já tinham almoçado, estando a aproveitar o magnifico sol que a esplanada do bar gratuitamente nos proporcionava. Mas nós, os lentos não em pedalada, mas simplesmente em sentimentos e memória fotográfica estavamos com toda a certeza muito mais ricos em sentimentos de amizade e companheirismo.

Depois de almoço, foi um ver ao contrário, ou seja, o trajecto seguinte foi todo o percurso da manhã, mas em sentido contrário. Um misto de emoções ocorriam a cada momento que normalmente terminavam com um... “Nós passamos por ali?”, “Eh cum caraças, tinhas visto aquilo?”, “esta claridade para fotos é melhor que há bocado”. E lá seguimos nós, por todo o troço tirando fotos a cada pedaço. Ora ficava um para trás ora ficava outro. Eramos um grupo de seis sempre muito animado e onde cada vez mais se respirava amizade. O talvez cereja no topo do bolo, tenha aparecido já na parte final, numa descida de aproximadamente três quilómetros e meio, um inverso da partida. Aí, fomos confrontados com cabras espalhadas pelo trilho. Uma mesmo de frente, outras acima e abaixo. Todo o grupo foi obrigado, ainda que por vontade própria a suspender sua marcha. As cabras estavam demasiado domesticadas para se ignorarem. Somente não se puseram em posição de alinhamento com o Rui, pois teria dado uma foto muito interessante.

Passadas as cabras, já com algumas saudades, os últimos metro serviram para tirar uma fantástica foto a quem tentava em vão alcançar as casas impossíveis do outro lado. Ela bem tentava, mas o cumprimento de sua objectiva eram demasiado japonesa para além alcançar. Assim, serviu-lhe de consolação as fotos que lhe tiravam à traição. Depois, bem despois foi o chegar ao final do trajecto onde as restantes caras, aparentando um bater de palmas, esperavam ansiosamente pelo nosso regresso.

Tirada a foto de grupo, eis que o grupo partiu como um todo em busca de um merecido banho. Pelo menos esperava-mos que ao contrário do final anterior, houvesse água quente para todos. Mas como bons pensadores que alguns somos, houve um grupo que decidiu antes enverdar por uma compras finais, enquanto os restantes lutavam por gota a gota por um pedaço de água quente.

Comprei duas boas garrafas. Um traz licor de mel, mas daquele que se bebe à confiança e se tosse como uma criança, como uma caminhante hora depois da hora de deitar. Trouxer também uma garrafa muito engraçada com uma pega deitada, lá dentro uma muito interessante aguardente de orujo, para aqueles dias frios em que o organismo pede uma acendalha. E no outro saco vinha um dos famosos queijos de Cabrales. Um queijo forte e bem medido. Com aspecto podre, mas bem saboroso. Um daqueles queijos que bem podemos deixar esquecido no fundo do frigorifico, pois ganhe ou não bolor, para nós estará sempre com o aspecto actual.

Depois o jantar, desta vez num restaurante com mais alguns créditos, onde as entradas de queijos variados quase deu para cheirar um Alentejo mais descaracterizado. O Costelon também não estava mal, mas nem todos comeram por igual. Uns vinham muito passados, como sola de borracha. Outros mal passados, parecendo um bicho acabado de matar. Felizmente, alguns tiveram a sorte do seu lado... Depois, como se todos nós fossemos invadidos por um sentimento de nostalgia, ninguém queria ir deitar. Uns foram emborcar mais umas litradas de sidra, outros como eu preferiram andar pelo vazio. A nostalgia impragnava o ar. No dia seguinte seria a partida e aquele fantástico grupo parecia decidido em não voltar.

Expedição aos Picos da Europa - Carnaval 2011 (2/4)

Chegavam as sete horas da matina de Domingo, aliás seis da matina, porque em Espanha eles andam uma hora à nossa frente. O desgraçado do galo não parava de cantar. Felizmente este não dá bicadas e basta carregar no ok para ele se calar. Meio ensonado desci para uma torradas com compota de melocoton acompanhado de sumo de melocoton tomar. Voltei para cima e voltei para baixo já com a dentuça lavada. Cá fora estava um frio gélido de uma manhã típica junto da montanha. Em redor, ao contrário da noite anterior, agora podiam-se observar montes a perder de vista que nos reduziam à insignificancia de uma barata. Paramos no único local aberto àquela hora madrugadora, uma área de serviço. Compraram-se as últimas provisões e partiu-se um direcção aos Lagos de Covadonga. Do lado de fora da carrinha, os vidros pareciam retirados de um avião em plena viagem, cristais de gelo formavam-se para nos assustar quando à dimensão do que nos esperava. Chegados ao primeiro miradouro sobre Covadonga, aos soluções fomos saindo das carrinhas e automóveis que nos transportavam. Em todo o redor o branco era imperador. Farrapos de verde timido salpicavam as montanhas. Estavamos agora a mais de mil metros de altitude, o sol já me mostrava lá bem no alto e a temperatura animava até os menos positivos. Tinhamos grandes probabilidades de ter pela frente um excelente dia de sol.

Ao chegar junto dos lagos a espectacularidade do momento era tão elavada que a paralização de olhares no vazio tomou conta de praticamente todos os que tinham a oportunidade de ali estar. Lá fora a neve era rainha, salpicos cinzas e verdes mostravam-se à cautela no meio daquela imensidão. Um enorme espelho de água brilhava o cenário envolvente. O frio há muito tinha ficado para trás, neste momento o pouco calor solar que nos abrilhantava a vista chegava para nos preencher a alma com um clima temperado de emoções. Os primeiros passos foram sobre asfalto, mas à medida que subiamos todos os nossos sentimentos estava de olhos postos naquela imensidão branco que desejavamos pisar. No cimo, junto de uma curva podemos finalmente esfregar a sola de nossas botas naquele branco imaculado, quase tão puro e fino como cocaina. Parecia que estavamos num lugar de ficção.

A caminhada avançou a bom ritmo por caminhos, estradas, montes e outros lugares. Era impossivel saber sobre o que andavamos. Aos nossos pés apenas sentiamos que estavamos a pisar algo fresco e branco. Por baixo, podia estar qualquer coisa que nunca sem lá voltarmos noutra estação saberemos o que seria. Quando saimos das zonas mais calcadas por caminhantes que se tinham acordado mais temperano, as nossas botas enterravam-se delicadamente até ao joelho. Estavamos num lugar mesmo especial.

Pelo caminho encontramos um casal com duas pequenas crias. Uma caminhava alegremente pelo chão branco imaculado ao passo que a mais pequena, delirava às cavalitas do pai. Ambos levavam raquetes nos pés, o que facilita e muito o andamento dado que a área de contacto com a neve é dástricamente superior à nossa. Era um casal de portugueses que iam em autonomia. Iria passar a noite em abrigos e montanha e a cria estaria-se a iniciar nesta fantástica actividade que num jogo de ps3 no conforto do lar, jamais poderá ser sentida ou sobretudo vivida. Começavamos então a subir e cada vez mais, seguiamos por um trilho direito sempre a subir. Um trilho que em tempos mais quentes sobe em ziguzague, mas que no meio daquela imensidão de branco é impensável seguir. Com mais ou menos dificuldade, lá conseguimos chegar ao refúgio de Vega Redonda. Uma casa pequena no meio do nada, onde se pode dormir ou somente repousar, onde se pode tomar um banho quente ou uma bebida ainda mais. Um local que tinha um cão com um pêlo fantástico junto à porta  de entrada.

Cá fora, uns ao sol outros à sombra, uns sentados no chão, outros em caixas e ainda outros como eu, na neve devoravamos o excelente almoço que tinhamos levado. Os temas de conversa eram muitos, mas todos eles acabavam quase sempre por desaguar num tema comum – aquela imensidão branca que nos devorava. Ao mesmo tempo decidia-se quem estava em condições de continuar e quem por ali iria ficar simplesmente a disfrutar. Alguns momentos depois, uma grupo de nove ou dez, segue viagem rumo ao cume, sobre neve virgem. Abençoados por tentar, mas aos poucos o ar da montanha e o peso da neve solta trocaram-lhes as voltas e obrigaram-nos a voltar quase no limite de suas forças.

Nós, que cá em baixo ficamos a disfrutar, resolvemos voltar aos nossos transportes para nos lançarmos por outras andanças. Queriamos ir disfrutar um pouco da aldeia mágica de Covadonga.

A descida foi diferente. A velocidade era intensa e a loucura tomou parte de parte do grupo. Era fantástico descer a correr e saltar. Ficar enterrado na neve até à cintura, despreocupados com alguma pedra, arbustro ou buraco que nos podesse estragar o momento com dor e ausência nas aventuras que nos esperariam nos dias seguintes.

Chegados aos carros, foi tempo de primeiro descansar e depois manobrar. A carrinha que estava à minha responsabilidade estava trancada pelo alfa de um dos que tinha lá ficado. Mais para a frente mais para trás e para o lado, com todo o cuidado este obstáculo foi ultrapassado. Primeiro decidimos subir em direcção ao lago superior. Estava na fila para passar pelo buraco mais apertado da estrada excelentemente bem cuidada apesar daquela neve toda, quando passa um espanhol e pela janela aberta diz claramente – “Canta-me um fado”. Foi a risota total. O lago de encima era mais rudimentar que o primeiro, por isso pouco tempo por lá andamos. Descemos então em direcção a Covadonga com uma paragem intermédia para os calços descansarem.

Covadonga não tem muita coisa em especial. É um lugar pequeno onde existe uma extraordinária catedral. Pelo meio um túnel cheio de promessas e uma capela dentro de uma cova na rocha. Por baixo desta, uma enorme queda de água enche um lago. Achei Covadonga muito mais emocionante vista dos miradouros a caminho dos lagos que propriamento no seu lugar. Ou até mesmo a famosa Sidra, bebida pouco alcoolica, com um travo a maçã que é autenticamente despejada nos copos desde o andar de cima. Não é nada do outro mundo e pouco parece ser deste, mas pelo menos custa menos de três aérios a garrafa e vai matando a sede.

O jantar deste dia foi mais do mesmo, ou seja, uma grande caldeirada de sabores desconhecidos, mas nem esse factor surpresa serviu para me deixar com vontade de aqui o relatar. Penso mesmo que o momento mais alto da refeição e passeio pelas ruas da cidade após o repasto, foi mesmo o aparecimento da loira e do branco de carapinhão... Depois seguiu-se uma noite de sono, logo após uma amena cavaqueira frente ao hostal. Daquelas que pedia um sapato ou algo similar para o barulho acabar.

Expedição aos Picos da Europa - Carnaval 2011 (1/4)


E às oito horas do passado dia 5 de Março de 2011, teve inicio o começo de uma viagem que há muito tempo estava planeada nos meus pensamentos... mais propriamente uma viagem de aventura pelos Picos da Europa.

A carrinha que me iria transportar até lá chegou ao teatro da Encarnação, pouco passava das oito horas. Lá dentro, já estavam bem aconchegados sete almas e muita bagagem desejosas de aventuras. No banco de trás, estava três raparigas de diferentes idades. Uma delas sobresai-a, mas também não era para menos. Ao meu lado estava um casal, já habituê nestas andanças. Há frente, outro casal se preparava para a longa e dolososa viagem que se apresentava aos nossos olhos... os cerca de 900 quilómetros até lá acima.

As primeiras horas de viagem foram passadas com a cabeça a balançar de uma lado para outro, como que a lembrar as horas mal dormidas da noite anterior. A primeira paragem deu uma fonte de energia quase inesgotável, tal o frio que se fazia sentir para além das paredes de chapa e vidro que nos separava do ar ribatejano. A medo e timidamente cada elemento daquela carrinha, foi saindo e encaminhando-se para as instalações da área de serviço.

Estavamos então dentro da zona de bar da área de serviço de Abrantes. Uns tomavam café, outros como eu bebiam uma red bull para acordar e outros ainda limitavam-se a conversar. No meio de uma multidão que chegava em várias excursões de Carnaval para a Serra da Estrela, um elemento destacava-se pela negativa. Estava eufório, já àquela hora da madrugada. Dava guinchos que mais pareciam de uma gata com o cio. Algures, alguém do grupo reclamava com um simples, mas concreto – cala-te. De repente, sem nada que para aí indicasse, no meio desse grupo, tal como putos vádios ou uma claque lá do norte se tratasse, começam todos aos empurrões e às morraças. Parecia uma praça com cada um a distribuir fruta para cada lado. Às tantas voavam chavenas, mesas e relógios pelos ares. Nós, todo o grupo pirava-se lá para fora com uma rapidez quase impensável e dali observavamos incrédulos ao que lá dentro de passava. Foram alguns largos minutos à claque azul, mas o mais curioso foi as empregadas continuarem a servir cafés como se nada de estranho se passasse. E quando, já estavamos para arrancar, olhámos para o lado e concluímos que todos os envolvidos eram do mesmo autocarro. Deve ter sido uma viagem especial...

Já mais acordados e sobretudo animados, seguimos viagem até junto da fronteira em Vilar Formoso. Numa altura em que a barriga já dava horas, todo o grupo se reuniu timidamente à volta de uma das carrinhas e decidiu-se que iriamos almoçar umas tapas numa tasca qualquer conhecida do Carlos junto à bonita cidade de Salamanca.
Chegados à tasca mundialmente conhecida, mas que afinal era uma área de serviço e não havia tapas, só mesmo menus de Carnaval é que nos apercebemos que o sentido de orientação do Carlos tem muitas vezes tendência para se desnortear. A bebida do menu de Carnaval era composto por água e vinha que transformava o famoso carrascão português em vinho fino. Para comer tinhamos direito a dois pratos, pão e uma sobremesa. Escolhi a sopa de cozido, mas que mais parecia onde eles lavaram o pano do chão a altas temperaturas para retirar as impurezas há muito lá instaladas. O prato era... bem, deve ter sido tão bom que já nem me lembro o que era. O pão... bem o pão escapava, mas só depois de lhe fazer um escalpe e mastigar apenas o interior. Pagamos por tudo a módica quantia de dez notas, mas afinal, qual a piada de uma aventura sem um incidente de percurso.

Após o almoço, a viagem tornou-se muito mais interessante e monótona. Se por um lado, passaria a ser eu a levar a carripana, por outro, ia tudo com tanto sono que mais parecia uma carrinha de mortos-vivos. A dada altura, olho para o lado e para trás e apenas via cabeças ao léu com os olhos virados para dentro. Uma estavam de bocas escancarada a pedir uma mosca, outras estava de tal forma curvadas que em pouco tempo pareceria que estariam a snifar o chassi de baixo. E ainda uma outra que de olhar no horizonte, tentando ser indiferente a tudo o que a rodeava, mas ao mesmo tempo concentrada na estrada. Houve momentos complicados, mas com um pouco de destreza se foram resolvendo... afinal, é dificil manter o ritmo dos cento e dez e ao mesmo tempo fotografar elementos para mais tarde recordar.

A viagem continuou... continuou monótona nos cento e dez máximos permitidos pela autoridade. Chegados a León, o guia meio desnorteado pediu-me para parar. Depois de uma guerra, onde a ausência de mapas, foi a expressão mais usada, eis que aparece um n900 para salva o momento. O seu dono com uns mapas off-line carregado atempadamente lá descobriu por onde deveriamos ir e o problema foi ultrapassado.
Já perto de Oviedo, alguém, feliz proprietário de um n900 diz alto e em bom som – “Temos de virar para a A64”. Lá à frente, alguém já farto de estradas por entre montanhas brancas em contraste com o céu escuro, quase negro, não liga a esse comentário... e feitas as contas foram feitos cerca de quarenta e nove quilómetros a mais.

Chegados finalmente a Cangas de Ónis, quando os ponteiros digitais já marcavam mais que dois pontos e dezanove palitos de tempo, eis que surge novamente o orgulhoso dono do n900, desta vez sem a ajuda do telefone a dizer. – “continua a rodopiar que o hostal é por ali” – e uma corrente de ar fresco invade a espinha dos presentes. Como é que alguém que nunca lá tinha estado conseguiu num rasgo de vista identificar o caminho? Facilmente... já são  cada vez menos os que não conhecem o meu sentido de orientação.
O hostal era uma espécie de prédio de quatro andares, cheio de quartos pequenos para confortáveis e interessantemente quentes. O acesso aos pisos superiores era complexo dado que era composto apenas por escadas, mas nada de especial para quem tinha desafios muito mais exigentes nos dias que se seguiam. A sala de pequeno-almoço era simples e económica. Dava para pouco mais de quinze pessoas bem aconchegadas. Nada de preocupante para os cerca de trinta e três novos inquilinos que com uma boa gestão do tempo facilmente daria a volta à situação. Lá em cima, o maior problema era encaixar corpos grandes na zona mais intima do lar. É complicado meter um corpo nú num paralelipipedo rectangular vertical e baixá-lo de forma a ficar abaixo da saída do chuveiro.

Mas o importante naquele momento não era o hostal, mas sim o jantar, dado que já todos desejavamos uma agradável e condimentada refeição. Depois daqueles cerca de novecentos quilómetros, não seriam os cerca de um a pé até ao restaurante pelo frio da serra que nos iriam amedrontar. O restaurante era um vulgar snack bar de aldeia que tinha umas mesas à frente e outras atrás. Não sei quem teve a ideia de colocar um espelho em toda a parede de fundo da sala de trás, mas teve uma ideia feliz. Durante alguns momentos, quase todos os elementos do grupo quase cegos pela fome passada, olhavam felizes e contentes para os seus reflexos tentando imaginar quem teria uma roupa semelhante à sua.

No restaurante, o que se pensava que seria um bom repasto, saiu algo assim assim. Os que escolheram caldo de marisco, ainda devem andar à procura do marisco ou simplesmente do aroma. Os restantes que pediram a fabada ainda devem estar a pensar porque os espanhóis chamam àquilo fabada se de favas não tem nada. O complemento era composto por qualquer coisa que não me despertou o interesse, daí ter preferido uma espécie de cozido com caldo verde – o pote asturiano. Tinha uma sabor digamos que diferente, mas àquela hora qualquer coisa marchava... até uma velha sem dentes!!! Uii... Pelo menos a sobremesa era totalmente espanhola, sem tirar nem por, notava-se logo quando se olhava para ela e se via o quanto artificial era. Enfim, mais uma refeição tipicamente espanhola.

Ao chegar ao hostal a tarefa seguinte seria dormir, porque Ordiales estava simplesmente a poucos mais que umas horas. O sono provocado pelo cansaço da viagem só aos poucos foi interrumpido, quando era necessário evacuar algumas couves mais indigestas.