terça-feira, 29 de março de 2011

Expedição aos Picos da Europa - Carnaval 2011 (1/4)


E às oito horas do passado dia 5 de Março de 2011, teve inicio o começo de uma viagem que há muito tempo estava planeada nos meus pensamentos... mais propriamente uma viagem de aventura pelos Picos da Europa.

A carrinha que me iria transportar até lá chegou ao teatro da Encarnação, pouco passava das oito horas. Lá dentro, já estavam bem aconchegados sete almas e muita bagagem desejosas de aventuras. No banco de trás, estava três raparigas de diferentes idades. Uma delas sobresai-a, mas também não era para menos. Ao meu lado estava um casal, já habituê nestas andanças. Há frente, outro casal se preparava para a longa e dolososa viagem que se apresentava aos nossos olhos... os cerca de 900 quilómetros até lá acima.

As primeiras horas de viagem foram passadas com a cabeça a balançar de uma lado para outro, como que a lembrar as horas mal dormidas da noite anterior. A primeira paragem deu uma fonte de energia quase inesgotável, tal o frio que se fazia sentir para além das paredes de chapa e vidro que nos separava do ar ribatejano. A medo e timidamente cada elemento daquela carrinha, foi saindo e encaminhando-se para as instalações da área de serviço.

Estavamos então dentro da zona de bar da área de serviço de Abrantes. Uns tomavam café, outros como eu bebiam uma red bull para acordar e outros ainda limitavam-se a conversar. No meio de uma multidão que chegava em várias excursões de Carnaval para a Serra da Estrela, um elemento destacava-se pela negativa. Estava eufório, já àquela hora da madrugada. Dava guinchos que mais pareciam de uma gata com o cio. Algures, alguém do grupo reclamava com um simples, mas concreto – cala-te. De repente, sem nada que para aí indicasse, no meio desse grupo, tal como putos vádios ou uma claque lá do norte se tratasse, começam todos aos empurrões e às morraças. Parecia uma praça com cada um a distribuir fruta para cada lado. Às tantas voavam chavenas, mesas e relógios pelos ares. Nós, todo o grupo pirava-se lá para fora com uma rapidez quase impensável e dali observavamos incrédulos ao que lá dentro de passava. Foram alguns largos minutos à claque azul, mas o mais curioso foi as empregadas continuarem a servir cafés como se nada de estranho se passasse. E quando, já estavamos para arrancar, olhámos para o lado e concluímos que todos os envolvidos eram do mesmo autocarro. Deve ter sido uma viagem especial...

Já mais acordados e sobretudo animados, seguimos viagem até junto da fronteira em Vilar Formoso. Numa altura em que a barriga já dava horas, todo o grupo se reuniu timidamente à volta de uma das carrinhas e decidiu-se que iriamos almoçar umas tapas numa tasca qualquer conhecida do Carlos junto à bonita cidade de Salamanca.
Chegados à tasca mundialmente conhecida, mas que afinal era uma área de serviço e não havia tapas, só mesmo menus de Carnaval é que nos apercebemos que o sentido de orientação do Carlos tem muitas vezes tendência para se desnortear. A bebida do menu de Carnaval era composto por água e vinha que transformava o famoso carrascão português em vinho fino. Para comer tinhamos direito a dois pratos, pão e uma sobremesa. Escolhi a sopa de cozido, mas que mais parecia onde eles lavaram o pano do chão a altas temperaturas para retirar as impurezas há muito lá instaladas. O prato era... bem, deve ter sido tão bom que já nem me lembro o que era. O pão... bem o pão escapava, mas só depois de lhe fazer um escalpe e mastigar apenas o interior. Pagamos por tudo a módica quantia de dez notas, mas afinal, qual a piada de uma aventura sem um incidente de percurso.

Após o almoço, a viagem tornou-se muito mais interessante e monótona. Se por um lado, passaria a ser eu a levar a carripana, por outro, ia tudo com tanto sono que mais parecia uma carrinha de mortos-vivos. A dada altura, olho para o lado e para trás e apenas via cabeças ao léu com os olhos virados para dentro. Uma estavam de bocas escancarada a pedir uma mosca, outras estava de tal forma curvadas que em pouco tempo pareceria que estariam a snifar o chassi de baixo. E ainda uma outra que de olhar no horizonte, tentando ser indiferente a tudo o que a rodeava, mas ao mesmo tempo concentrada na estrada. Houve momentos complicados, mas com um pouco de destreza se foram resolvendo... afinal, é dificil manter o ritmo dos cento e dez e ao mesmo tempo fotografar elementos para mais tarde recordar.

A viagem continuou... continuou monótona nos cento e dez máximos permitidos pela autoridade. Chegados a León, o guia meio desnorteado pediu-me para parar. Depois de uma guerra, onde a ausência de mapas, foi a expressão mais usada, eis que aparece um n900 para salva o momento. O seu dono com uns mapas off-line carregado atempadamente lá descobriu por onde deveriamos ir e o problema foi ultrapassado.
Já perto de Oviedo, alguém, feliz proprietário de um n900 diz alto e em bom som – “Temos de virar para a A64”. Lá à frente, alguém já farto de estradas por entre montanhas brancas em contraste com o céu escuro, quase negro, não liga a esse comentário... e feitas as contas foram feitos cerca de quarenta e nove quilómetros a mais.

Chegados finalmente a Cangas de Ónis, quando os ponteiros digitais já marcavam mais que dois pontos e dezanove palitos de tempo, eis que surge novamente o orgulhoso dono do n900, desta vez sem a ajuda do telefone a dizer. – “continua a rodopiar que o hostal é por ali” – e uma corrente de ar fresco invade a espinha dos presentes. Como é que alguém que nunca lá tinha estado conseguiu num rasgo de vista identificar o caminho? Facilmente... já são  cada vez menos os que não conhecem o meu sentido de orientação.
O hostal era uma espécie de prédio de quatro andares, cheio de quartos pequenos para confortáveis e interessantemente quentes. O acesso aos pisos superiores era complexo dado que era composto apenas por escadas, mas nada de especial para quem tinha desafios muito mais exigentes nos dias que se seguiam. A sala de pequeno-almoço era simples e económica. Dava para pouco mais de quinze pessoas bem aconchegadas. Nada de preocupante para os cerca de trinta e três novos inquilinos que com uma boa gestão do tempo facilmente daria a volta à situação. Lá em cima, o maior problema era encaixar corpos grandes na zona mais intima do lar. É complicado meter um corpo nú num paralelipipedo rectangular vertical e baixá-lo de forma a ficar abaixo da saída do chuveiro.

Mas o importante naquele momento não era o hostal, mas sim o jantar, dado que já todos desejavamos uma agradável e condimentada refeição. Depois daqueles cerca de novecentos quilómetros, não seriam os cerca de um a pé até ao restaurante pelo frio da serra que nos iriam amedrontar. O restaurante era um vulgar snack bar de aldeia que tinha umas mesas à frente e outras atrás. Não sei quem teve a ideia de colocar um espelho em toda a parede de fundo da sala de trás, mas teve uma ideia feliz. Durante alguns momentos, quase todos os elementos do grupo quase cegos pela fome passada, olhavam felizes e contentes para os seus reflexos tentando imaginar quem teria uma roupa semelhante à sua.

No restaurante, o que se pensava que seria um bom repasto, saiu algo assim assim. Os que escolheram caldo de marisco, ainda devem andar à procura do marisco ou simplesmente do aroma. Os restantes que pediram a fabada ainda devem estar a pensar porque os espanhóis chamam àquilo fabada se de favas não tem nada. O complemento era composto por qualquer coisa que não me despertou o interesse, daí ter preferido uma espécie de cozido com caldo verde – o pote asturiano. Tinha uma sabor digamos que diferente, mas àquela hora qualquer coisa marchava... até uma velha sem dentes!!! Uii... Pelo menos a sobremesa era totalmente espanhola, sem tirar nem por, notava-se logo quando se olhava para ela e se via o quanto artificial era. Enfim, mais uma refeição tipicamente espanhola.

Ao chegar ao hostal a tarefa seguinte seria dormir, porque Ordiales estava simplesmente a poucos mais que umas horas. O sono provocado pelo cansaço da viagem só aos poucos foi interrumpido, quando era necessário evacuar algumas couves mais indigestas.

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