terça-feira, 29 de março de 2011

Expedição aos Picos da Europa - Carnaval 2011 (2/4)

Chegavam as sete horas da matina de Domingo, aliás seis da matina, porque em Espanha eles andam uma hora à nossa frente. O desgraçado do galo não parava de cantar. Felizmente este não dá bicadas e basta carregar no ok para ele se calar. Meio ensonado desci para uma torradas com compota de melocoton acompanhado de sumo de melocoton tomar. Voltei para cima e voltei para baixo já com a dentuça lavada. Cá fora estava um frio gélido de uma manhã típica junto da montanha. Em redor, ao contrário da noite anterior, agora podiam-se observar montes a perder de vista que nos reduziam à insignificancia de uma barata. Paramos no único local aberto àquela hora madrugadora, uma área de serviço. Compraram-se as últimas provisões e partiu-se um direcção aos Lagos de Covadonga. Do lado de fora da carrinha, os vidros pareciam retirados de um avião em plena viagem, cristais de gelo formavam-se para nos assustar quando à dimensão do que nos esperava. Chegados ao primeiro miradouro sobre Covadonga, aos soluções fomos saindo das carrinhas e automóveis que nos transportavam. Em todo o redor o branco era imperador. Farrapos de verde timido salpicavam as montanhas. Estavamos agora a mais de mil metros de altitude, o sol já me mostrava lá bem no alto e a temperatura animava até os menos positivos. Tinhamos grandes probabilidades de ter pela frente um excelente dia de sol.

Ao chegar junto dos lagos a espectacularidade do momento era tão elavada que a paralização de olhares no vazio tomou conta de praticamente todos os que tinham a oportunidade de ali estar. Lá fora a neve era rainha, salpicos cinzas e verdes mostravam-se à cautela no meio daquela imensidão. Um enorme espelho de água brilhava o cenário envolvente. O frio há muito tinha ficado para trás, neste momento o pouco calor solar que nos abrilhantava a vista chegava para nos preencher a alma com um clima temperado de emoções. Os primeiros passos foram sobre asfalto, mas à medida que subiamos todos os nossos sentimentos estava de olhos postos naquela imensidão branco que desejavamos pisar. No cimo, junto de uma curva podemos finalmente esfregar a sola de nossas botas naquele branco imaculado, quase tão puro e fino como cocaina. Parecia que estavamos num lugar de ficção.

A caminhada avançou a bom ritmo por caminhos, estradas, montes e outros lugares. Era impossivel saber sobre o que andavamos. Aos nossos pés apenas sentiamos que estavamos a pisar algo fresco e branco. Por baixo, podia estar qualquer coisa que nunca sem lá voltarmos noutra estação saberemos o que seria. Quando saimos das zonas mais calcadas por caminhantes que se tinham acordado mais temperano, as nossas botas enterravam-se delicadamente até ao joelho. Estavamos num lugar mesmo especial.

Pelo caminho encontramos um casal com duas pequenas crias. Uma caminhava alegremente pelo chão branco imaculado ao passo que a mais pequena, delirava às cavalitas do pai. Ambos levavam raquetes nos pés, o que facilita e muito o andamento dado que a área de contacto com a neve é dástricamente superior à nossa. Era um casal de portugueses que iam em autonomia. Iria passar a noite em abrigos e montanha e a cria estaria-se a iniciar nesta fantástica actividade que num jogo de ps3 no conforto do lar, jamais poderá ser sentida ou sobretudo vivida. Começavamos então a subir e cada vez mais, seguiamos por um trilho direito sempre a subir. Um trilho que em tempos mais quentes sobe em ziguzague, mas que no meio daquela imensidão de branco é impensável seguir. Com mais ou menos dificuldade, lá conseguimos chegar ao refúgio de Vega Redonda. Uma casa pequena no meio do nada, onde se pode dormir ou somente repousar, onde se pode tomar um banho quente ou uma bebida ainda mais. Um local que tinha um cão com um pêlo fantástico junto à porta  de entrada.

Cá fora, uns ao sol outros à sombra, uns sentados no chão, outros em caixas e ainda outros como eu, na neve devoravamos o excelente almoço que tinhamos levado. Os temas de conversa eram muitos, mas todos eles acabavam quase sempre por desaguar num tema comum – aquela imensidão branca que nos devorava. Ao mesmo tempo decidia-se quem estava em condições de continuar e quem por ali iria ficar simplesmente a disfrutar. Alguns momentos depois, uma grupo de nove ou dez, segue viagem rumo ao cume, sobre neve virgem. Abençoados por tentar, mas aos poucos o ar da montanha e o peso da neve solta trocaram-lhes as voltas e obrigaram-nos a voltar quase no limite de suas forças.

Nós, que cá em baixo ficamos a disfrutar, resolvemos voltar aos nossos transportes para nos lançarmos por outras andanças. Queriamos ir disfrutar um pouco da aldeia mágica de Covadonga.

A descida foi diferente. A velocidade era intensa e a loucura tomou parte de parte do grupo. Era fantástico descer a correr e saltar. Ficar enterrado na neve até à cintura, despreocupados com alguma pedra, arbustro ou buraco que nos podesse estragar o momento com dor e ausência nas aventuras que nos esperariam nos dias seguintes.

Chegados aos carros, foi tempo de primeiro descansar e depois manobrar. A carrinha que estava à minha responsabilidade estava trancada pelo alfa de um dos que tinha lá ficado. Mais para a frente mais para trás e para o lado, com todo o cuidado este obstáculo foi ultrapassado. Primeiro decidimos subir em direcção ao lago superior. Estava na fila para passar pelo buraco mais apertado da estrada excelentemente bem cuidada apesar daquela neve toda, quando passa um espanhol e pela janela aberta diz claramente – “Canta-me um fado”. Foi a risota total. O lago de encima era mais rudimentar que o primeiro, por isso pouco tempo por lá andamos. Descemos então em direcção a Covadonga com uma paragem intermédia para os calços descansarem.

Covadonga não tem muita coisa em especial. É um lugar pequeno onde existe uma extraordinária catedral. Pelo meio um túnel cheio de promessas e uma capela dentro de uma cova na rocha. Por baixo desta, uma enorme queda de água enche um lago. Achei Covadonga muito mais emocionante vista dos miradouros a caminho dos lagos que propriamento no seu lugar. Ou até mesmo a famosa Sidra, bebida pouco alcoolica, com um travo a maçã que é autenticamente despejada nos copos desde o andar de cima. Não é nada do outro mundo e pouco parece ser deste, mas pelo menos custa menos de três aérios a garrafa e vai matando a sede.

O jantar deste dia foi mais do mesmo, ou seja, uma grande caldeirada de sabores desconhecidos, mas nem esse factor surpresa serviu para me deixar com vontade de aqui o relatar. Penso mesmo que o momento mais alto da refeição e passeio pelas ruas da cidade após o repasto, foi mesmo o aparecimento da loira e do branco de carapinhão... Depois seguiu-se uma noite de sono, logo após uma amena cavaqueira frente ao hostal. Daquelas que pedia um sapato ou algo similar para o barulho acabar.

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