terça-feira, 9 de novembro de 2010

Ir à faca

Há dias fui pela primeira vez à faca. Digo que pela primeira, mas espero que pela última vez. Não porque seja um drama, mas porque normalmente está associado a algo de mau e mete medo.

 Tive de ir ter com o gajo da faca por algo que não interessa registar, mas a verdade é que era inadiável. Teve de ser.

 Os dias que antecederam o momento foram complicados. A concentração no trabalho foi posta à prova. Perdeu. Nesses dias, fui almoçar a pé ao El Corte Inglês, ao Saldanha e ao Jardim Zoológico. Dito assim, não parece nada, mas indo da zona de Santa Maria já é significativo. Foram dias de apreensão, pois embora o médico tenha dito que era simples, era sempre uma cirurgia.

 A viagem para Coimbra foi estranha, muito silenciosa, para alguém que em viagem gosta de falar, falar, falar até fartar... A entrada no hospital, de mala na mão, logo de manhã pareceu estranha. Um check-in indesejável. A indicação da cama... com um 13 por cima a atrapalhar os mais supersticiosos. Lembro-me da minha mãe comentar isso, quando uma enfermeira passava. E a preocupação de me mudarem se fosse o caso. Não quis. Gosto do 13. Sempre me levou certinho do comboio à universidade. Não seria motivo para preocupação.

 A primeira indicação. Vista o pijama e o roupão para a realização dos exames preparatórios. Um electrocardiograma, tirar sangue e um rx ao tórax. Nada de especial. Depois seguiu-se a angustia e a espera durante toda a tarde e noite. Às 22 horas, deram-me dose de cavalo para dormir. Sinto no entanto que fui simpático. Cumprimentei todas as enfermeiras que de hora a hora iam ao quarto, onde quatro doentes aguardavam. Um pela alta, outro drogado com medicamentos e dois sem pregar olho a pensarem o que irei suceder a partir da oito da manhã.

 Sete da manhã. Um enfermeira vem ingloriamente nos acordar. Não foi necessário. Tanto eu como o sr. Carlos estávamos bem acordados depois de uma noite de cabeças e encontros fortuitos entre o quarto e a casa de banho. Pelo caminho, várias vezes cruzei e fiquei a falar com o sr. Fernando. Ia depois de nós. Talvez nos voltássemos a cruzar inconscientes num elevador qualquer.

 Tirada toda a roupa e vestida uma bata de apertos atrás, a assustadora subida para a maca. O caminho tortuoso para o corredor junto do elevador. Entretanto chegou o colega do lado e lá fomos rumo aos fundos, mais concretamente no -2.

 Passava pouco das dez para as oito, quando se deu a transferência para o bloco operatório. Somos transferidos como uma peça de carne de uma maca para outra. Uma plataforma com um metro e oitenta, claramente curta para tanto gajo. Tive de passar dobrado.

 Segui-se a espera. Fria e gelada de uma área toda azul clara e branca. Parece invicta. Segue-se a assustador corredor até à sala 5 de uma sala que mais parece uma nave espacial. Tudo tem linhas futuristas, incluindo a anestesista.

 Uma conversa banal, com perguntas banais serve de entrada. Pergunta-me se estou preocupado. Respondo que assustado e com um medo medonho de não acordar. Garante-me que se for por ela, acordarei nem que seja à marretada, só que a deixe fazer seu trabalho. Sou "obrigado" a arriscar. Começam a meter-me umas coisas na veia, o tecto começa a andar à volta, penso num jantar em Sesimbra que ficou por realizar e...

... abro os olhos meio "estrabulhado". O tecto da sala parece-me diferente. Ao meu lado, camas como se ao estacionamento do hospital tivesse ido parar. Ainda assustado, olho para uma enfermeira de me diz um simpático "boa tarde". Fico baralhado... Mas ao contrário do que me diziam, não tenho a tentação de meter a mão no lugar. Acredito que já tenha passado.

 Logo após o almoço sou levado para o quarto. Todos me perguntam se correu tudo bem. Não sei. Ainda não falei com ninguém. Dizem-me que levei quase seis horas a regressar. Fico intrigado. Mas afinal houve um meeting durante a operação. Correu bem, pouco ou nada tiraram. Fico um nadinha aliviado.

 Chega-se a noite e mais uma dose de cavalo, mas curiosamente um síndroma de insónia invade o quarto e nenhum dos quatro prega olho a noite inteira. Tivéssemos um baralho de cartas... Estava a primeira fase ultrapassada!!!

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